Para percebermos a evolução dos vinhos rosés – aqueles a que muita gente torcia o nariz – convém fazer algum enquadramento na história recente da viticultura e dos hábitos dos consumidores. Uma coisa é certa: nunca se fizeram tão bons e tão diversificados rosés como hoje. E os da Península de Setúbal têm esse detalhe de se apresentarem com preços imbatíveis.
Os livros de história dão nota de vinhos brancos portugueses que faziam boa figura em certames internacionais ou nos jantares de algumas famílias abastadas da Europa (leia-se França ou Inglaterra). Isto da alimentação é e será sempre uma coisa de modas, mas faz parte da natureza humana imaginar que a moda actual será sempre a última, por mais que a realidade mostre o contrário. Os vinhos brancos e os vinhos rosés, por exemplo, deveriam servir como exemplo para termos alguma cautela com as definições categóricas.
Há 30 anos, o que mais se ouvia dizer é que Portugal nunca seria um grande país de brancos. É certo que tínhamos os Verdes, fernão pires no Tejo, arinto em Bucelas ou antão vaz na Vidigueira, mas a tese era que não só não tínhamos condições para fazer grandes vinhos brancos como os portugueses só queriam saber de tintos – até com peixe cozido. E, de há 15/20 anos para cá, o que temos? Vinhos brancos de grande nível em quase todas as regiões vitícolas e consumidores rendidos à variabilidade de perfis que o mercado apresenta. Afinal de contas, não só temos condições para fazer brancos, não só temos castas excelentes como, imagine-se, até há clientes que dizem passar muito bem o Inverno na companhia de vinhos brancos. Aliás, atendendo a a somos como somos, vemos muita gente que antes fazia profissões de fé aos tintos dizer agora que só bebe brancos.
E em matéria de rosés? Bom, aqui as coisas eram bem piores. Primeiro, rosé nem caía bem na categoria de vinho e, segundo, era coisa de senhoras com gosto pouco refinado. Claro está que, para este cenário, muito contribuiu o famoso Mateus Rosé, por ter um perfil muito próprio, com doçura pronunciada e ligeiro gás, nada adequado à nossa gastronomia, e que esteve durante décadas sozinho no mercado. Aliás, apesar de sempre ter vendido bem em Portugal, a verdade é que quando Fernando van Zeller Guedes idealizou o vinho na famosa garrafa a imitar a forma do cantil, nos anos 1940, estava a pensar nos mercados globais. E o mínimo que se pode dizer é que foi um visionário.
E como estamos agora em matéria de consumo de rosés? Nem de longe nem de perto no mesmo patamar dos brancos, é certo, mas, apesar de tudo, já se ouve dizer menos que “rosé não é vinho”. E porquê? Porque, hoje, não podemos falar de um único perfil de vinho rosé. Bem se pode dizer que rosés há muitos. Uns concentrados e outros nem tanto, uns mais doces e outros mais secos, uns carregados de cor e outros com tons de rosa ligeiro ou salmão (o padrão mais recente).
Por outro lado, enquanto no passado os rosés resultavam da técnica chamada de sangria (eram feitos com parte do mosto de tintos em fermentação), hoje, os grandes rosés são vinhos que nascem, digamos assim, na vinha, o que quer dizer que os produtores têm trabalho rigoroso desde a selecção da casta, ao ponto óptimo de maturação das uvas e, claro, às técnicas enológicas (fermentações em inox e/ou em barricas).
E por que razão, em matéria de brancos e tintos, assistimos a esta pequena revolução de hábitos? Na realidade, há várias razões. A primeira tem que ver com a dinâmica dos produtores, que têm de lançar com regularidade novas marcas. A segunda deve-se à tremenda evolução que ocorreu em Portugal, quer na enologia, quer na viticultura. A terceira vai directamente para o aparecimento de um conjunto de gastronomias exóticas em Portugal, com destaque para as que são originárias na Ásia. A quarta não pode esquecer o volume de turistas que inundou o país. E a quinta está relacionada com a evolução da cultura vínica dos portugueses, muito mais atentos à importância de adequar o vinho à comida. Estão, portanto, reunidas as condições para o contínuo crescimento do consumo de vinhos brancos e rosés.
No caso dos vinhos rosé da Península de Setúbal, podemos dizer que o grande volume vem de castelão, por ser a casta tinta mais abundante nas vinhas, por ser regularmente produtiva e por dar identidade aos vinhos da região.
Contudo, de há uns anos a esta parte a casta moscatel roxo ganhou um lugar especial na linha dos rosés da Península de Setúbal, visto que o seu perfil aromático perfumado (líchias e rosas) é interessante para certo perfil de rosés, em particular vinhos que se querem para comidas com os tais sabores asiáticos. E quem haveria de lembrar-se de tal ideia? Domingos Soares Franco, um dos enólogos mais irrequietos e experimentalistas do país, com o seu Rosé Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco. Como é habitual nestas coisas, de início estranhou-se, mas depois foi um tal replicar o conceito noutras adegas. E ainda bem. Vamos aos vinhos.
Rosés da Península de Setúbal: a prova
Villa Palma Rosé 2021
Adega de Palmela
Feito a partir de castelão, syrah e aragonês, tem uma relação qualidade-preço interessante (o que acontece com todos os vinhos desta região), onde se destacam as notas de fruta, de rebuçado e de algumas flores. Na boca, apesar de apresentar algum volume, nota-se secura.
PVPR: 3,99 euros
Sobreiro de Pegões 2021
Adega de Pegões
Dos peculiares terrenos de areia de Pegões temos um vinho à base de castelão (70 por cento), com o aragonês e a touriga nacional a repartirem os restantes 30 por cento. É um rosé perfumado (notas de rosa), com uma boca que inicialmente tem notas doces, mas que depois cresce para um patamar mais sério.
PVPR: 4,99 euros
Pinot Noir/Merlot 2021
Casa Ermelinda Freitas
Dos seis vinhos rosé que produz a maior casa de vinhos da Península de Setúbal, destacamos aquele que é feito com castas estrangeiras (pinot noir e merlot em partes iguais). Rosé sério, revela-se pelas curiosas notas tostadas, com alguma madeira de cedro à mistura, características que regressam na boca. Um vinho que dá que falar.
PVPR: 9,99 euros
João Pires 2021
José Maria da Fonseca
Da casa que colocou os rosés de moscatel roxo na agenda temos esta novidade que explora uma marca de grande notoriedade, mas feito com moscatel graúdo e touriga nacional (50 por cento cada). Como se imagina, é a primeira casta que marca, quer pelos aromas florais quer pelas notas doces na boca. Bom como aperitivo.
PVPR: 3,99 euros
Catarina Rosé 2021
Bacalhôa Vinhos
Para aproveitar a fama de um ícone nos vinhos brancos portugueses, criado em 1981, surge em 2021 o primeiro Catarina rosé a partir de um blend de castelão (75 por cento) e cabernet sauvigon (25 por cento). A primeira casta leva-nos para os aromas do morango, o cabernet para notas vegetais e frutos de bosque. Um rosé fino.
PVPR: 6,99 euros
Sadino 2020
Sivipa – Sociedade Vinícola de Palmela
Pela cor, pelos aromas e pelo volume, um rosé de perfil mais clássico criado pelo método de sangria a partir de castelão e syrah. Donde, notas aromáticas de frutos maduros, com uma boca que revela bom equilíbrio entre a estrutura e as sensações vegetais que dão vivacidade ao vinho.
PVPR: 2,99 euros
Camolas Selection Premium 2020
Adega Camolas
Aqui está uma bela surpresa – um rosé da Península de Setúbal feito a partir de baga, a casta tinta rainha da Bairrada. E não só por causa da casta. É mesmo pelos aromas de pastelaria à mistura com pequenos frutos. Tudo isto regressará na boca, mas com toque vegetal. Rosé fresco e longo.
PVPR: 6,50 euros
Piloto Reserva 2019
Quinta do Piloto
Com cor desafiante, este é um rosé resultante de cuidados redobrados na adega, visto que o mosto acaba de fermentar em barricas, com sequente trabalho de bâttonage. Todo este processo faz que os aromas de fruta se misturem com as notas de carvalho e torrefacção. Na boca, um vinho guloso.
PVPR: 15,99 euros
Grauvaque Y14 2019
A Serenada
Outro vinho bastante curioso, da região de Grândola, por ser feito com uvas de jaen (casta do Dão), cabernet franc (francesa) e a nossa touriga nacional. Rosé complexo, com notas de café e frutos secos. Na boca, um perfil mais seco, mas com grande volume.
PVPR: 12 euros
Vale Pereiro 2019
Venâncio da Costa Lima
O facto de ser feito com 100 por cento de castelão introduz no vinho as notas de frutos silvestres e de algumas flores. O facto de ter tempo de garrafa (coisa que se agradece) dá-lhe complexidade. Harmonioso na boca, é um rosé claramente destinado a pratos com especiarias.
PVPR: 3,10 euros
Herdade do Cebolal 2019
Herdade do Cebolal
Este é um vinho de touriga nacional que atrai de imediato pelo seu tom de cobre brilhante. Aromaticamente é contido, com aromas de casca e de uvas acabadas de espremer. Boca com notas algo minerais, será interessante bebê-lo daqui a um, dois ou três anos.
PVPR: 10,50 euros
Fonte: PÚBLICO